GS Trophy: a experiência de uma brasileira na qualificatória feminina
O International GS Trophy é uma competição de equipes na qual uma seleção internacional de entusiastas off-road competem juntos em várias etapas especiais. Entre o público entusiasta esta a engenheira Eduarda Mikulski, de 32 anos.
Ela viu na competição a chance de realizar um sonho de infância. Isso porque o evento não se limita apenas a provas de pilotagem, pois inclui conhecimento e trabalho em equipe. A seguir, Eduarda vai contar, a partir do seu olhar, como foi a experiência de viver uma qualificatória feminina do Internacional GS Trophy.
Onde tudo começou
Pilotar sempre foi a paixão da minha vida, quando era pequena admirava as meninas que corriam motocross, quando tinha uns 17 anos, comecei me apaixonar pelas esportivas, e aos 30 já tinha corrido MX, vx, enduro, motovelocidade e viajado bastante com a minha esportiva dos sonhos, me sentindo totalmente realizada na minha vida no quesito motos e não fazia ideia de que tudo isso poderia ser ainda mais intenso!
Assim, em uma viagem na Argentina após 200km de puro rípio (off road com um chão especifico da Argentina) com uma moto superesportiva, pela primeira vez, eu pensei: preciso de uma big trail! Até então era um estilo de moto na qual eu tinha pré-conceito e sempre dizia que ia comprar uma quando estivesse velhinha e não aguentasse mais pilotar. Uma doce ilusão!
Dessa forma, ao começar a pesquisar sobre as Big trails eu descobri o Gs Trophy, um campeonato Off-Road promovido pela BMW. Quando eu vi o que as pessoas faziam com as Big no off eu fiquei impressionada. Até então não fazia ideia sobre esse tipo de pilotagem. Com isso, esse foi o maior motivo entre muitos outros de ter escolhido uma GS como minha primeira moto Big Trail.
No entanto, da mesma maneira que fiquei super empolgada com esse campeonato parecia um sonho distante. Quando eu comentava com as pessoas elas diziam que eu era louca… “Imagina só por essa moto no off, não é possível!”
O campeonato no Brasil
O campeonato no Brasil possui três classificatórias regionais e em 2023 a primeira foi em Brasília. Assim, no final de semana da primeira classificatória eu acompanhei todos os detalhes e comecei entender um pouco mais sobre como tudo aquilo funcionava. Diante disso, houve a classificatória de São Paulo e então a última em Carandaí na qual eu me inscrevi. Foi necessário rodar 1500 km para participar da primeira etapa, mas eu faria tudo de novo!
Detalhes da classificatória nacional
A prova dessa classificatória e da final Nacional tem o mesmo formato. Assim, o primeiro dia a gente faz a inscrição presencial, vistoria nas motos e equipamentos. Já no segundo dia se inicia com um circuito de enduro, onde os melhores tempos já define as equipes de pilotos para a prova de navegação que é em equipe.
Assim, durante a tarde a prova de navegação consiste em várias provas que você realiza com a equipe e faz uma somatória de pontos, após o termino dessas especiais temos uma prova de inglês e por fim o resultado do dia com a somatória de todas as provas.
O resultado determina os pilotos que passam para o segundo dia de prova, os outros são desclassificados, no segundo dia todo mundo inicia com a pontuação zerada novamente.
A prova do segundo dia é um circuito de habilidade, onde é necessário realizar manobras com a moto, transpor obstáculos e realizar tudo isso no menor tempo possível. Dessa forma, todos os erros geram pontos e ao final da prova os pontos são multiplicados pelo tempo, portanto quem tiver menos pontos vence.
E eu tenho certeza que venci devido a minha experiência no off. Todos os erros que já cometi em competições passadas e porque desde o primeiro momento que me inscrevi foquei no resultado que tinha que obter!
Ganhei a classificatória Nacional do Gs Trophy e agora?
Agora são formados times, as duas melhores mulheres vão para uma classificatória internacional feminina disputar uma vaga na grande final, já os três melhores resultados no masculino formam um time para ir direto a grande final.
Preparação para o International GS Trophy
Após ter sido campeã na qualificadora nacional começaram os preparativos para a qualificatória internacional feminina, que aconteceu em janeiro de 2024. Assim, já tenho um estilo de vida meio Fitness, mas na preparação tudo se intensificou.
Foram mais treinos físicos de alta intensidade e resistência, fiz exames ortomoleculares para ver o que meu corpo estava precisando para ficar 100% assim iniciei a ingestão de vitaminas e aminoácidos específicos para mim.
No entanto, o que realmente intensifiquei foi a preparação psicológica, as terapia que já estavam na rotina a cada 15 dias passaram a ser semanais, exercícios de respiração, mentalização começaram a ser diários e além do corte total de algumas coisas como o álcool, mas além de tudo o treino intenso com a moto!
Dessa forma, viajei 1000km até São Paulo para treinar com minha nova parceira classificada do time. Me dediquei a treinos técnicos e de habilidade os quais eu nunca tinha feito. Assim, fiz tudo o que estava ao alcance para ter bons resultados e estava totalmente confiante que passaria para a grande final, até a primeira prova do dia na Espanha!
A grande prova na Espanha
Chegando ja tive uma grande surpresa: a minha bolsa de equipamentos não chegou! Porém, cheguei um dia antes do dia oficial de inicio das provas e conversando com os profissionais do aeroporto, me garantiram que na manhã seguinte meus equipamentos estariam no hotel.
Desse modo, a manhã seguinte chegou e meu equipamento continuava como “não encontrado” no site da companhia aérea. Próximo ao meio dia fomos levados para um espaço onde era uma base do evento, com restaurante, banheiros e espaço para camping. Naquele momento, passei a informação de perca de bagagem para a organização.
Foi então que eles me arrumaram um equipamento emprestado para realizar as provas. Assim, neste local, acampamos por três noites com as classificadas dos outros países. Dessa forma, eram 14 times, envolvendo 17 países. Isso porque algumas regiões não possuíam times específicos. Um exemplo é o LATAM que agrega os países da América Latina e foi formado pelo time da Colômbia e México.
Percalços do caminho
Assim, no segundo dia se iniciaram as provas, sendo composto por duas provas pela manhã, sendo uma prova de enduro com muita pedra solta, mas que mesmo assim completei com excelência. No entanto, minha companheira acabou caindo na prova e eu tive que correr de equipamento para ajudá-la
A segunda tinham 5 bandeiras que tínhamos que pegar pilotando, porém estavam em lugares de difícil acesso no meio das pedras, combinamos de eu pegar 3 e ela as outras 2 mais próximas. Mas quando voltei da última ela estava novamente caída sobre a bandeira.
Sendo assim, fui ate ela, estacionei minha moto e erguemos a dela, quando conseguimos alinhar ela pegou a estrada e volto para o ponto final da prova por fora do circuito. Eu tentei fazer a volta e não consegui, então comecei a pilotar pelo meio das pedras procurando um caminho para sair. Mas, enquanto eu fazia esse percurso, o sinal de que o tempo tinha estourado acabou. Ficamos em penúltimo lugar nessa prova e eu já sabia que seria muito difícil recuperar os erros dessas duas provas.
Tour pelas montanhas
Após isso fizemos um tour pelas montanhas e almoçamos, no início da tarde, em deslocamento para a terceira prova a minha companheira de equipe sofreu um acidente colidindo frontalmente com outro veículo, nesse instante tudo começou ficar bem tenso, não sabíamos mais se voltaríamos para a prova.
Porém, após algum tempo aguardando a resolução do acidente, fomos para a terceira prova na qual era necessário encontrar uma foto pendurada em uma árvore utilizando as coordenadas geográficas e uma bússola.
Além disso, teria que retornar para o ponto de início e mostrar a foto, assim finalizamos o dia, chegando a noite já tínhamos o resultado geral do dia que foi o décimo lugar, nesse momento eu já sabia que não tínhamos mais chances de passar para a final e sabia também que no outro dia a minha companheira estaria com dor no corpo devido a colisão.
Noite fria e dois dias de provas
Após uma noite muito fria de aproximadamente uns 9 graus, acordamos, tomamos café, pegamos as motos e nos deslocamos para o Enduro Park, onde ocorreriam 5 provas durante o dia. Na primeira prova era um circuito com bastante pedra solta, tínhamos que realizamos individualmente e no final o tempo dos países eram somados, fiz o circuito em 1min 03 segundos.
Quando a minha companheira fez o dela, ela caiu na pista e eu caí no choro, nesse instante eu tive certeza de que não seria esse ano que iríamos para a final do GS Trophy, mas só acaba quando termina, era isso que eu pensava o tempo todo e continuava focada em fazer o melhor possível, tentando segurar a emoção e continuar nas próximas provas.
A segunda prova foi de mecânica, necessário tirar o filtro da moto e colocar novamente, terceira prova era um barranco no qual tínhamos que subir, a prova iniciava com uma moto de frente para o barracão e outra deitada longe. Tínhamos que correr a pé, erguer uma moto e subir.
Mas antes de buscar minha moto, tive que ajudar a minha companheira dar ré na moto dela, porque a mesma achou que a moto estava muito perto do barranco. Na quarta prova era uma caixa de areia bem comprida a qual tínhamos que fazer individualmente. Após isso, somaria o tempo novamente. Sendo assim, realizei a prova com excelência, mas empurrar outra moto em vários metros de areia foi realmente desafiador e cansativo.
Final do desafio GS Trophy
Por fim, tinha uma super prova, onde iniciava correndo a pé, pegando a moto e passando novamente na caixa de areia. Saindo dela, tinha que passar por um circuito com cones, com uma curva na subida e com pedras. Após isso, passar por troncos e um circuito com pedras, finalizando a prova dando a mão para a sua companheira de equipe. Com isso, finalizamos os dois dias de prova! Ao final do dia o resultado que já sabíamos, nono lugar, fora da final!
Mais um turbilhão de emoções! Confesso que, nesse momento, foi muito difícil pra mim. A realidade era diferente do que eu tinha sonhado todo esse tempo que vim me preparando para isso. Mas eu já sabia que seria assim conforme as provas foram acontecendo.
Ao final de tudo eu senti gratidão pela oportunidade que a BMW nos proporcionou e aceitei que tudo acontece do jeito que tem que ser. Talvez esse ainda não seja o momento de ir para a final. Isso porque quando estamos lá só temos uma chance de fazer o nosso melhor e, com toda certeza, a equipe tem estar muito forte para se obter bons resultados.
É realmente difícil colocar em palavras tudo aquilo que um Gs Trophy nos faz sentir. De todos os desafios, para mim, o que eles mais exigem é o psicológico forte de campeã. Quem vai para lá para brincar e aproveitar a viagem não tem chances, pois lá todo mundo pilota bem e cada segundo é extremamente importante.