Batom, Motocicletas e outras conversas
Leia a crônica que deu nome ao livro escrito por Mari Sbravatti e Fantazia. Batom, motocicletas e outras conversas traz crônicas para reflexão sobre diversos temas, que vão desde o universo feminino até o motociclismo.
Por Mari Sbravatti
Hoje em dia é praticamente impossível pensar em motociclismo sem um toque pink no meio. Antigamente motocicleta era coisa de homem. Com o tempo a mulher foi dominando a máquina por necessidade.
A primeira lembrança que eu tenho de uma mulher pilotando uma motoneta foi minha mãe usando a antiga Mobilete para se locomover até o trabalho.
Naquela época a inflação era totalmente descontrolada e com o dinheiro que você tinha reservado para a gasolina, às vezes mal dava para mandar abastecer com o suficiente para voltar para casa com o combustível.
Por pura necessidade de economizar, mamãe aderiu à motoneta para poder se locomover até o trabalho. Seu fusquinha só era usado quando chovia, ou quando precisávamos ir junto.A segunda lembrança de uma mulher pilotando, foi minha tia Andréa, que na mesma época também ganhou a antiga Garelli, uma outra marca do modelo motoneta, do meu avô. Os propósitos dela eram bem diferentes dos de mamãe.
Naquela época qualquer mocinha na beira dos 18 anos tinha que ter uma Mobilete, senão era totalmente excluída. Apesar de meu pai também ter moto nesta época, raramente eu podia chegar perto da Mobilete. Frustração era pouco para o que eu sentia. Depois eu lembro quando minha madrinha tirou habilitação de motocicleta e meu tio comprou para ela uma 125 cilindradas. Era o meio de transporte para levar e buscar os filhos em qualquer lugar. E lá ia Shirley, com muita coragem e sem capacete que não era obrigatório na época, desbravar o mundo na sua 125. Acho que meu pai também nunca me deixou ir na garupa dela.
A minha maior conquista foi quando nos mudamos de casa, minha mãe levou várias tralhas no carro dela, papai no carro dele e a mobilete não coube no caminhão de mudança. Tive autorização para levar a motoneta até a casa de vovó, que era relativamente perto, e depois alguém receberia a incumbência de atravessar com a bichinha o centro da cidade. Jamais que seria eu. Mas tudo bem considerando os meus 13 anos na época.
Desde então motocicleta era assim: Para mulher quebrar o galho, para mulher trabalhar.
Mas como Deus é generoso com o sexo frágil, as coisas não ficaram assim. Tanto é que agora até provas de motociclismo específicas para nós, meninas, já têm. A grande maioria nos grupos ainda é homem. Mas a mulherada está chegando lá. Quando conheci meu namorado, tive que estacionar a Branquela no outro lado da rua, e com a cara e a coragem me enfiar no meio de um monte de homens para perguntar se aquela rodinha correspondia a um moto clube. Não, eles apenas se encontravam ali aos domingos, mas comentavam os encontros, os passeios e às vezes se reuniam para dar uma volta em grupo.
Comecei a deixar a vergonha em casa todos os domingos de manhã e parar ali para tentar interagir com o grupo. Também procurei na internet e assim fui fazendo amizades virtuais e também reais. Os cuecas às vezes reclamam da presença das meninas, mas no fundo no fundo eles até preferem quando tem um batom pelo meio.
A prova disso é que somos tão bem acolhidas, tão bem tratadas, o respeito é tão grande. A maioria deles nos trata como filhas ou como irmãs. Nunca fui assediada por nenhum cara de moto grupo.
A coisa evoluiu tanto, que acho que motocicleta não tem mais graça sem um borrão de batom.
Viva a motocicleta, viva a interação, viva este mundo lindo do motociclismo, viva o batom, vivam todas as cores e todas as bandeiras!
Batom e Motocicletas.